Estamos em setembro de 2022 e dentro em breve Paulo César Baptista de Faria, para nós o Paulinho da Viola ou simplesmente Paulinho, fará 80 anos. Um artista que neste ano de 2022 emenda uma sequência de shows com a vitalidade daquele rapaz nascido e criado em Botafogo, filho de pai violonista e mãe pioneira, nascida Paulina Baptista dos Santos (1918-2009) e que, nas palavras do próprio Paulinho, foi “uma mulher que enfrentou os limites do seu tempo, trabalhou desde os 17 anos cuidando de pessoas com necessidades especiais e me ensinou valores que carrego para sempre. E ainda jogava num time feminino de futebol”. Quanto ao pai, Benedicto Cesar Ramos de Faria, foi responsável pelo ambiente musical em que Paulinho cresceu, na Rua Pinheiro Guimarães, 53, casa 1, bem próxima ao Morro da Saudade. César Faria foi um dos grandes violinistas do Brasil e participou do famoso e lendário Conjunto Época de Ouro, liderado por Jacob do Bandolim. Para o sustento da família, César Faria trabalhava como funcionário da Justiça Federal e fazia música pelo prazer de tocar.
Paulinho nasceu na Policlínica de Botafogo. No bairro, viveu uma infância de muita música e muitas histórias. Além da música, o futebol era outra paixão. Paulinho é vascaíno de coração e jogou muita bola no meio da rua Pinheiro Guimarães, mas só quando a radiopatrulha não passava. Paulinho tem um irmão, o seu Francisco Xavier Baptista de Faria, ou Chiquinho, para os íntimos. Chiquinho participou, dentre outros discos, do antológico Memórias chorando (1976). Do irmão mais novo, Paulinho escreveu no álbum: Chiquinho, o do bandolim, é meu irmão, um ano mais novo e excessivamente tímido. Há anos que vive dizendo que está começando”. Muitas memórias de Paulinho, o sambista sem saudades.
A biografia de Paulinho da Viola é bem conhecida e em seu site (www.paulinhodaviola.com) a temos com mais riqueza de detalhes. Vários livros também dão conta de sua obra e vida. Para a Portelamor, Paulinho da Viola é, em suas várias faces, um portelense querido, apaixonado por sua escola e que criou o mais belo hino da agremiação (em nossa modesta visão): “Foi um rio que passou em minha vida”, que deu título a disco homônimo e emblemático, de 1970. Sua discografia completa pode ser vista em nosso site: www.portelamor.com.br. Queremos falar um pouco mais afetivamente desse que é um dos grandes da Portela.
Lemos em seu site que “Paulinho não perdia as oportunidades de acompanhar o pai e desse modo presenciou importantes reuniões musicais, algumas em sua própria casa. Nesses encontros, viu tocar músicos como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Tia Amélia, Canhoto da Paraíba e muitos outros. Em pouco tempo, já tentava os primeiros acordes no violão do pai”. Sua casa era uma escola de música, com graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Mas são as lições de vida ou das vidas que passaram pelo rio de memórias de sua casa que formaram Paulinho: histórias dos grandes mestres, das vicissitudes da vida, algumas tiradas do cotidiano das pessoas simples, que nosso poeta tão bem cantou em “Coisas do mundo, minha nega”.
Além do contato com o choro, em sua casa de Botafogo, na juventude ele passou a frequentar a casa de sua tia Trindade, no bairro de Vila Valqueire, subúrbio próximo de Madureira. Foi lá que brincou diversos carnavais, experiências que moldaram seu gosto pelo samba. Lemos em seu site que “as escolas e os blocos carnavalescos representavam geograficamente cada região da cidade. Paulinho criou junto com seus amigos o bloco Foliões da Rua Anália Franco, para representar a rua onde morava sua tia. A escola de samba União de Jacarepaguá, localizada perto dali, estava crescendo e convidou os jovens foliões para integrar o seu conjunto”. Paulinho compôs sambas para a União de Jacarepaguá. Gravou de Catoni, (também de Jacarepaguá) e Jorge Mexeu o samba “Cenários”, em disco de 1978 (Paulinho da Viola), homenageando várias Escolas. Momentos que foram definindo o compositor e também o homem, arriscamos. Pois na União de Jacarepaguá deu-se o primeiro contato de Paulinho com uma Escola de Samba e lá ele apresentou “Pode ser Ilusão”, por volta de 1962, um de seus primeiros sambas.
Paulinho foi bancário aos 19 anos em seu primeiro emprego, no Centro do Rio de Janeiro. Foi nesse emprego que em 1964 conhece o poeta Hermínio Bello de Carvalho, que convida Paulinho para visitá-lo em seu apartamento no Catete. Na casa de Hermínio, Paulinho entra em contato com compositores como Elton Medeiros, Anescar do Salgueiro, Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho. Em breve, surgiriam as primeiras parcerias com Hermínio: “Duvide-o-dó”, gravada por Isaurinha Garcia (Paulinho a regravaria em 1999, no disco Sinal aberto, em parceria com Toquinho, em 1999); a outra, “Valsa da Solidão”, foi gravada por Elizete Cardoso em disco não comercializado.
Através da amizade com Hermínio, para além da parceria, conhece o Zicartola, restaurante do sambista Cartola e de sua mulher, dona Zica, localizado na tradicional rua da Carioca:
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Artistas, jornalistas, intelectuais se reuniam para ouvir Cartola, Zé Kéti, Elton Medeiros dentre outros. Foi lá, reza a lenda, que Paulinho ganhou de Cartola seu primeiro cachê, um dinheirinho “para a passagem”. Foi Zé Keti quem o incentivou a compor e em 1965 ele grava, com o Conjunto A Voz do Morro, o primeiro disco do grupo, Roda de samba (1965). Segundo o site de Paulinho, “durante a gravação deste disco, um funcionário da gravadora perguntou a cada um dos integrantes do grupo pelos seus nomes, na sua vez Paulinho responde: “Paulo César”. E o tal funcionário: “Isto não é nome de sambista”. Posteriormente, Zé Ketti leva o fato para Sérgio Cabral que transforma a história em nota publicada num jornal com a solução do problema. Nascia Paulinho da Viola”. Seguiram-se mais dois discos, Roda de Samba volume 2 (1965) e Conjunto A Voz do Morro – Os Sambistas (1966).
“Minhas Madrugadas”, de Paulinho e Candeia (1965) seria gravada pela Divina Elizeth Cardoso, em Elizete Sobe o Morro. Paulinho tocou violão na gravação e Elton Medeiros atacou na caixa-de-fósforos. Naquela gravação surge no violão de Paulinho uma “batida” característica, que ele não usa mais.
No final do ano de 1964, Paulinho ainda frequentava a União de Jacarepaguá, quando Oscar Bigode, diretor de bateria da Portela, que Paulinho considerava um primo, o convida para conhecer a famosa agremiação de Oswaldo Cruz. No domingo seguinte, Paulinho apresentou na Ala dos Compositores da Portela a primeira parte de um samba, sob os olhares de Monarco, Candeia, Casquinha, Ventura e muitos outros. Casquinha acrescentaria de imediato uma segunda parte, dando à luz o samba “Recado”, primeira composição de Paulinho na Portela, gravado pelo conjunto A voz do Morro no segundo disco do grupo. Logo incorporado pela Ala dos Compositores da Portela, desfilou na escola em 1965 e já em 1966 apresentou o samba-enredo “Memórias de um Sargento de Milícias”, escolhido para o carnaval de 1966, quando a Portela se sagrou campeã. Paulinho já estava tomado pela Portela e ela por ele.
Mas sua vida também estava nos palcos. Hermínio Bello de Carvalho e Kleber Santos idealizaram o musical Rosa de Ouro, em 1965, espetáculo que revelou Clementina de Jesus, aos 63 anos, e trouxe de volta a figura lendária de Aracy Cortes, ambas acompanhadas por Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento, Nescarzinho do Salgueiro e Paulinho. O Rosa de Ouro rendeu dois discos: Rosa de Ouro (Odeon, 1965) e Rosa de Ouro 2 (1967) e foi um musical de grande sucesso no país e no exterior. Em 1966, é chamado para gravar ao lado de Elton Medeiros o disco Na Madrugada.
No site do compositor, somos apresentados a uma história marcante: “Em 1968, Hermínio Bello de Carvalho resolveu fazer uma surpresa a Paulinho e inscreveu a música “Sei lá Mangueira”, na terceira edição do histórico festival de música da TV Record. A letra de Hermínio, musicada por Paulinho, exaltava a Mangueira, escola de samba rival à Portela. O fato causou preocupação em Paulinho, que não queria projetar a música temendo uma reação negativa dos portelenses, mas isso é um caso diferente. O samba foi interpretado por Elza Soares e Paulinho passou a ser olhado com certa desconfiança na Portela, mas o compositor diz que nunca foi questionado por isso. A experiência do festival deixou uma dívida para Paulinho, que buscava inspiração para compor uma música em homenagem à sua escola”. Daí, em 1970, surge a canção e o disco homônimo Foi um rio que passou em minha vida.
A história de Paulinho nos festivais é marcante: em 1968, inscreve “Coisas do mundo, minha nega” na I Bienal do Samba da TV Record, canção defendida por Jair Rodrigues e com a qual obteve o sexto lugar; em 1969, venceu o último festival da TV Record com “Sinal fechado”; no mesmo ano, em maio, obteve o primeiro lugar na Feira Mensal de MPB da TV Tupi, com o samba “Nada de novo”, ao lado de “Que maravilha”, de Toquinho e Jorge Ben. Meses depois, na mesma feira, lança o eterno “Foi um rio que passou em minha vida”, que se tornou o maior sucesso do ano de 1970 e o projetou nacionalmente. Era a resposta aguardada pela Portela e é a música mais lembrada do compositor, considerada uma das mais importantes da música brasileira. Na década de 70, Paulinho gravou um álbum quase todos os anos e participou de espetáculos como como Sarau, Vela no Breu e Zumbido, sucessos de público e crítica. Em 1981, já consagrado, Paulinho lança seu primeiro disco na gravadora Warner e um ano depois o disco de sucesso A toda hora rola uma história. Em 1983 é o ano de seu último disco nesta gravadora, Prisma Luminoso, um dos preferidos do artista.
A partir de Prisma luminoso, Paulinho reduz o ritmo e nos oferecia discos cada vez melhores. É o caso de Eu canto samba, de 1989, sucesso de público e crítica, e pelo qual recebeu quatro troféus do prêmio Sharp daquele ano. Em 1996, lança Bebadosamba, recordista do prêmio Sharp de 1997, a maior premiação da música brasileira nos anos 90. Com apenas dois discos, Paulinho se tornaria um dos recordistas do prêmio Sharp, com nove troféus. Bebadosamba é considerado pela imprensa especializada um dos melhores álbuns da história da Música Popular Brasileira. Também em 1997, surge o grande espetáculo com base em Bebadosamba, que gerou mais dois discos ao vivo: Bebadachama, de 1997, e Sinal aberto, de 1999, em parceria com Toquinho. Nos 80 anos de vida, aguardamos, além dos shows, um novo trabalho.
Em seu site, lemos que “muitos críticos definem a obra de Paulinho da Viola como uma ponte entre a tradição e a modernidade. Como ele mesmo diz: “Não vivo no passado, o passado vive em mim”, e com ele recria sua música “sem olhar pra trás”. Para nós, da Portelamor, Paulinho é a expressão de uma linha histórica que começa lá atrás, com outro Paulo, o Paulo da Portela, e que atravessou gerações até chegar a ele, que soube beber da chama e da herança e transformou a música de pretos, pobres e subalternizados no melhor do que se pôde produzir. Paulinho é a confirmação da profecia de Paulo da Portela e as comemorações de seus 80 anos, às vésperas do centenário da Portela, é a confirmação de que a árvore deu frutos e suas raízes são fortes.
Salve nosso mestre Paulinho da Viola!

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| NEGREIROS, Eliete Eça. Paulinho da Viola e o elogio do amor. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2016. | NEGREIROS, Eliete Eça. Ensaiando a canção: Paulinho da Viola e outros escritos. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2011. | MEDEIROS, Kenia Gusmão. À deriva: temporalidades, história e filosofia em Paulinho da Viola. Curitiba: Editora CRV, 2020. | NERVOS de aço. Paulinho da Viola entrevistas a Charles Gavin. Rio de Janeiro: Ímã Editorial, 2014. |
![]() DINIZ, André; LINS, Juliana. Paulinho da Viola. São Paulo: Moderna, 2006. |
![]() COUTINHO, Eduarda Granja. Velhas memórias, histórias futuras: o sentido da tradição em Paulinho da Viola. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. |
![]() MÁXIMO, João. Paulinho da Viola. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002. |

Esta seção apresenta para o público em geral e para os fãs em particular a obra ativa do compositor, com as imagens originais dos álbuns. Não são listadas as participações especiais em obras de outros artistas. A reunião dessas imagens revela uma discografia que se eterniza no tempo, trabalho de um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira que aqui reverenciamos.
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| 1965 Rosa de Ouro |
1965 Roda de Samba – conjunto A Voz do Morro |
1966 Roda de Samba 2 |
1967 Rosa de Ouro - Volume 2 |
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| Os sambistas - conjunto A Voz do Morro | 1968 Samba na madrugada - Paulinho da Viola e Elton Medeiros |
1968 Paulinho da Viola |
1970 Foi um rio que passou em minha vida |
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| 1971 Paulinho da Viola |
1971 Paulinho da Viola |
1971 Paulinho da Viola |
1973 Nervos de Aço |
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| 1975 Paulinho da Viola |
1976 Memórias Chorando |
1976 Memórias Cantando |
1978 Paulinho da Viola |
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| 1979 Zumbido |
1981 Paulinho da Viola |
1982 A toda hora rola uma estória |
1983 Prisma Luminoso |
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| 1989 Eu Canto Samba |
1993 Paulinho da Viola e Ensemble |
1996 Bebadosamba |
1997 Bebadachama |
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| 1999 Sinal Aberto - Toquinho e Paulinho da Viola |
Paulinho da Viola - Meu tempo é hoje | 2007 Acústico MTV |
2020 Sempre se pode |

Especial Paulinho da Viola
Comemoramos os 80 anos de Paulo Cesar Baptista de Faria, nosso Paulinho da Viola. Portelense de valor, sucessor de Paulo da Portela, como cantou nosso querido e saudoso Mestre Monarco, nasceu em 12 de novembro de 1942. O Filosofia Portelense trará, durante todo o ano de 2022, alguns de seus versos em forma de prosa poética. Com essas pequenas rosas de ouro, conheceremos um pouco do pensamento de Paulinho traduzido por seus versos, em sua filosofia de vida e visão de mundo. Quando houver parceria, elas virão destacadas; em seguida, o álbum e o ano em que foram registradas essas pérolas de nosso cancioneiro popular. Salve a Portela, salve o Samba, viva Paulinho da Viola!