
Ganhou de Nelson Sargento o epíteto “A Filha do Samba”, não à toa, já que vem de uma geração de cantoras que valoriza não só a postura e a interpretação, mas também, o repertório, fazendo com precisão cirúrgica a escolha das músicas com a intenção de levar ao público o que gosta, tipo pérolas melódicas de um Nelson Cavaquinho. Seu repertório inclui o biscoito fino que os marketeiros de plantão insistem que o povo não entende. Ledo engano! Ela prova justamente o contrário. O povo gosta, não tem acesso e não ouve mais no rádio determinados ícones do nosso cancioneiro popular. Nestes anos de carreira a cantora vem desfrutando do legado de compositores emblemáticos e essenciais à música brasileira. Criada nas rodas de choro e samba de Botafogo, capitaneadas por seu avô César Faria, transformou-se em uma intérprete destes gêneros tão cariocas.
No mesmo bairro, seu padrinho, Mauro Duarte, organizava rodas de samba, as quais a menina também frequentava, tornando-a imune às mesmices de mercado. Os primeiros shows já preconizavam o caminho musical, tendo Djavan como padrinho e repertório que incluía composições de Paulinho da Viola, não por ser seu pai, mas por sua posição no Olimpo dos compositores brasileiros. Defendeu o panteão do Paraíso do Tuiutí e faz parte da Ala de Compositores da Portela, onde compõe com vários parceiros, parindo letras e melodias como as três filhas que trazem suas marcas em uma troca profícua de quem sabe o caminho a tomar, onde muita gente se vende por um lugar ao sol e muitos vão até de graça.
Sua carreira é permeada por encontros notáveis com Elza Soares, Beth Carvalho, Ademilde Fonseca, Jotinha Moraes, Rildo Hora, Dona Ivone Lara, Velha- Guarda da Portela, Martinho da Vila e tantos outros com os quais dividiu o palco e um pouco do dia a dia em viagens nacionais e internacionais. Seu primeiro disco solo, “Alma feminina”, trouxe parte de sua vivência e preferência musical. Dificilmente uma cantora iniciante consegue impor sua vontade e fazer um disco do jeito e da forma desejada. Só mesmo que tem a régua e compasso da própria carreira o consegue. Eliane Faria produziu e conseguiu o resultado esperado neste disco vivo, o que não é para qualquer um! Tem que se estar muito determinado. Bem lhe cabem os versos de Torquato Neto: “Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”. Seus novos projetos estão prenhes de determinação e atitudes insólitas, pois é disto que vive o artista, de sonhos e realizações.
Euclides Amaral (Pesquisador musical, poeta e letrista)
Fonte: Site Eliane Faria

Paulo Oliveira
A força feminina da Portela tem raízes muito firmes, fincadas no pioneirismo de Dona Esther, na imensa figura de Dona Dodô, nas inesquecíveis pastoras e guerreiras da Velha Guarda, que hoje tem em Tia Surica seu expoente mais lendário, na potência de Vilma Nascimento e de tantas outras guerreiras da Azul e Branco de Madureira. Jamais esqueceremos Clara Nunes, estrela que com sua grandeza e nobreza colocou lá no alto nosso pavilhão. A Portela, mesmo nos tempos de crise aguda, nunca deixou de ter nas mulheres um esteio, um esteio.
Estes pensamentos me vieram à mente quando recentemente caminhava pela Rua Silveira Martins, no Catete e passei pelo Cariocando, bar e restaurante escondidinho, mas que tem uma programação de peso para quem gosta de boa música. Vi um (antigo, talvez) cartaz que anunciava um show de Eliane Faria, que ali se apresentara diversas vezes (em uma delas, tive a felicidade de estar presente). Pensei que já passou da hora de render homenagens a essa artista, cujo coração bate forte pela Portela, e falar um pouco de seu trabalho, que a motiva a levantar a bandeira do samba em tantos e tão diversos lugares. Eu mesmo, junto com os amigos da Portelamor, assisti a sua comemoração de 25 anos de carreira no Teatro Municipal de Niterói, estive no Teatro Rival e, como já disse, no pequeno, mas essencial Cariocando. Agora, sempre que posso, a sigo na mais nova jornada, pelas Lives, que nesses tempos de pandemia foram um alento para nós que amamos o samba e se tornaram mais um espaço de resistência para artistas que, como Eliane Faria, não deixam o samba morrer.
Penso em Eliane Faria como uma andarilha, uma menestrela (desculpem o neologismo, mas a corruptela é uma homenagem, misto de menestrel e estrela), uma artista pedestre, que faz do samba sua razão de ser e estar no plano da arte. E Eliane não se restringe ao samba. Seu álbum Alma feminina é um exemplo de como a artista transita pelo melhor do cancioneiro popular, salvaguardada pela releitura de obras imortalizadas pelas muitas divas da música popular brasileira, e com isso, ela vai pisando devagarinho o chão de estrelas que ela vai habitando, no miudinho, com fineza e repertório requintado, tão bem escolhido que se tornou a grande marca de seus shows – verdadeiros encontros de música, amor e amizade celebrados por Eliane. E ela entende desse riscado, sabe do que está falando, ou melhor, cantando. Origem, berço, herança, não são apenas palavras fáceis e elogios vagos, em se tratando dessa artista. Ela, na prática, com seu ofício, sabe que cada escolha sua, cada música cantada, compõe uma história que lhe antecede e atravessa. Labor e poesia, saber e sabor.
Durante a pandemia, ela resolveu arregaçar as mangas, esquentar a voz e partir para o bom combate. Guerreira, entrevistou, cantou, homenageou, chamou nossa atenção para a situação dos músicos que, da noite para o dia se viram privados de seu ofício, seu ganha-pão, tão dependente dos shows e das casas noturnas. Eliane nos apresentou a um mundo de artistas que, alguns até já conhecidos, mas que não sabíamos bem de onde. Um trabalho de generosidade, essencial, em que pudemos ver mais de Cláudio Cinti, Victor Neto, os para mim desconhecidos Pirulito da Vila, Rogério Bambeia, Cris do Cavaquinho e tantas outras figuras maravilhosas que se eu fosse falar por aqui, hoje não iria terminar. Os que não pudemos ver, indico o canal da cantora no YouTube. Inscrevam-se, vale a pena (daremos o link para nossos leitores, ao final desta crônica).
Essa disposição de abraçar, de ouvir, de cantar junto, de soltar a voz, no momento em que tantos de nós nos recolhemos e calamos, é que torna a alma feminina de Eliane um espaço de conjunção e comunhão. Conjunção de tudo que ela herdou de sua família e comunhão daquilo que ela própria foi construindo e recolhendo ao longo de uma carreira de mais de 25 anos. E se não tem a seu favor a exposição grande mídia, com certeza, ela conquista, passo a passo, seu lugar na memória musical brasileira, com o apoio daqueles que acompanham com interesse sua trajetória.
Portelense, Eliane jamais se esquece de cantar as pérolas de sua escola, de seus compositores, mesmo daqueles que não frequentaram nem frequentam as rádios e programas de TV, pois o comércio que ela pratica é o do bom gosto. Assim, vê-se uma carreira que se solidifica no dia a dia com seu público, seja ele composto pelos frequentadores do Bar Cariocando ou pela plateia que a prestigiou no belo Teatro Municipal de Niterói.
É sempre uma alegria acompanhar de perto esse trabalho de artesanato e ter a oportunidade de falar de Eliane Faria. Gratidão. Que a pandemia vá embora logo e que com o fim desse vírus triste e antimusical possamos voltar a seguir Eliane Faria em suas andanças. Seja na quadra da Portela, na rua, em uma mesa de bar, nos grandes teatros ou nos espaços mais recônditos, essa voz essencial, de trabalhadora do samba, incansável, não pode e nem vai calar. Vida longa ao samba, à arte do canto e à cantora.
Avante Portela!
Com a chegada da Pandemia, a música tornou-se uma alternativa de entretenimento em tempos de quarentena.
Utilizando-se da tecnologia a cantora e compositora Eliane Faria, respeitando o distanciamento, utilizou-se da tecnologia
e com seu canal do Youtube conectou-se com o seu público. São vídeos de entrevistas, canções que ainda permanecem na grande rede
e merecem ser visitados.
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